O maniqueísmo é uma foice bi articulada, sua evocação serve de álibi para acusação e defesa.
Ao mesmo tempo, um neutralismo relativista assume uma outra versão dos fatos. E, do lado purista, a tendência é preservar o manipulador, dando-lhe o titulo da dúvida ou de herói honorário. Demolir o ditador cubano pode não ser a melhor resposta, mas todo adulto com a capacidade cognitiva razoavelmente preservada deve poder compreender o que significa controlar o poder ininterruptamente por tanto tempo.
Uma saga nepótica de mais de 60 anos. Todo acobertamento do preço a se pagar é fruto dessa ingenuidade programática, a omissão calculada, o viés disfarçado de causa justa, ou a simples pitada de falta de escrúpulo intelectual. A essência desse marketing é o culto à personalidade que apresenta tiranos como libertadores.
À versão de que o ditador proveu seus discípulos com educação saúde e cultura — se verossímil decerto muito aquém da propaganda enganosa — serve como escusa universal para um regime que funciona na base do slogan: “Oprime, mas faz”. E quem haveria de se importar se ele é tirânico? É uma espécie de autocracia baseada em evidências. Falsas. Isso significa que o método não importa, o resultado, muito bem controlado, é o que vale.
O detalhe incomodo é que um Estado todo provedor e seus apoiadores não se importam muito com os efeitos colaterais de sangue, privação de liberdade e violência institucionalizada contra os inimigos políticos. Também não é grande coisa que, para alcançar a igualdade, um considerável escape se propague e que a elite governante obtenha a justa regalia.
Mas o que mais surpreende nas lágrimas derramadas pelo ditador é sua trajetória seletiva. Ela vai dos olhos secos, às fendas imaginarias que se cegam à prisão dos dissonantes, deportação de dissidentes (alguém se lembra dos pugilistas cubanos devolvidos?) , dos séquitos prontos para agir como informantes. A lágrima também revela as cristalizações dogmáticas que reduzem argumentos às convicções preexistentes.
Todas as lágrimas contem mais ou menos o mesmo teor. Suponha que as suas lágrimas apareceram pelo ditador morto enquanto as minhas saíram para suas vítimas. Lágrimas compartilham da mesma composição, percorrem as mesmas trajetórias, idênticas pois. Talvez nossas plataformas afetivas sejam outras, ou nossas lentes de mundo tenham sofrido polimentos assimétricos. Só posso dizer que, em comum, temos que sofremos ao mesmo tempo, mas nunca estivemos juntos.
O que nos reparte não são mais nossos sentimentos, mas de onde emergem.
Por: PAULO ROSENBAUM é médico e escritor. Mestre e PhD em ciências, é pós-doutor em medicina preventiva (USP).