Nos últimos anos vários pesquisadores tem se
dedicado ao estudo das comunidades judaicas na Amazônia nos seus mais variados
aspectos. Aspectos econômicos e sociais, junto a relatos de memórias, da inserção
das comunidades judaicas na realidade amazônica são de grande valia, não só
para a história destas comunidades, como também, para ajudar a construir uma
nova história da Amazônia como um todo. Quase sempre quando pesquisadores
referem-se à Amazônia são ressaltados os povos da florestas, ribeirinhos, mas
quase nuca são citados os grupos judaicos que encontram-se radicados a quase
dois séculos na região norte, demarcando de uma forma ou de outra seu
território identitário, ainda ressaltando que, dois séculos de imigração é algo
muito significativo para um país que tem apenas quinhentos anos.
No começo desse ano o professor Pedro Chaves
incorporou em um grupo judaico acadêmico de estudo sobre o levantamento das
famílias que descendem de judeus. Cametá foi uma das primeiras cidades da
Amazônia a receber judeus, antes mesmo do ciclo da borracha já se podia notar a
presença judaica de várias formas na cidade. Inicialmente jovens solteiros que
viriam administrar barracões de coletas de produtos da floresta, depois
famílias judaicas que paulatinamente chegaram na cidade, muitas fugindo dos
surtos de febre amarela que eram muito comuns na capital. Um dos principais
produtos da exportação cametaense era o cacau, que logo foi ultrapassado pelas
produções bahianas e inglesas nas colônias do Caribe.
Embora hoje a cidade apresente-se decadente
economicamente, Cametá oferecia um modelo de cidade emergente para a época, com
coretos importados da França e Inglaterra, iluminação pública que adornavam a
praça da matriz já no ano de 1906, até hoje
é possível ver os portes de ferro na praça da vila de Juaba. Os judeus logo se
integraram à elite local, que era formada por portugueses, espanhóis, franceses
e libaneses, que ocupavam as primeiras ruas da cidade com seus comércios e
residências.
Segundo o pesquisador Wagner Bentes Lins,
após a crise da borracha, na primeira década do século vinte, as inúmeras
famílias judias que viviam nas cidades e vilas ao longo dos principais rios da
Amazônia, paulatinamente começam a imigrar para as capitais Belém e Manaus.
Muitas destas famílias prosperaram após anos comercializando produtos
regionais, como fazia a maioria da elite constituída na época. Mas, com o
esgotamento destes recursos e a desvalorização dos mesmos no mercado
internacional, o interior da Amazônia
tornou-se um lugar vazio de oportunidades, impulsionando desta forma os
judeus que residiam no interior a engrossarem as comunidades já constituídas
nas capitais.
Mesmo os judeus com menos recursos, também
deixaram as cidades interioranas, e na maioria das vezes valendo-se das redes
de ajuda mútua, sempre existentes dentre os judeus ao longo de anos de
diáspora, procuravam se estabelecer nas capitais
para iniciar um novo passo na história da imigração judaica na Amazônia, caso
percebido em pesquisa de campo de Chaves, as famílias Cohen no Rio Guajará,
distrito de Porto Grande e os primeiros moradores da vila do Carmo do
Tocantins, a família Laredo.
No inicio dos anos cinquenta do século
passado, as comunidades interioranas estavam totalmente esvaziadas, as gerações
que se constituiriam na capital já não teriam uma característica comercial
extrativista, a maioria dos componente das gerações nascidas ou imigrada para
as capitais enveredou por outro tipo de comércio ou tornaram-se profissionais
liberais. Com Cametá não foi diferente, mais de um século de inserção judaica
foi deixado para trás em prol de um novo modelo de vida na capital, mas mesmo
atualmente havendo apenas resquícios da cultura judaica na cidade, se faz
importante a realização destes estudos.
Cametá além de Belém foi a única cidade do
Pará que teve uma sinagoga pública. Geralmente no interior do Estado as
reuniões para orações e festas ocorriam nas casas dos membros da comunidade,
que faziam as vezes de sinagoga, caracterizando o judaísmo na Amazônia como um
judaísmo domiciliar. Em Cametá uma casa antiga de arquitetura colonial
portuguesa abrigava a sinagoga, que localizava-se na primeira rua, que foi
tragada pelas águas do rio Tocantins.
Não conseguimos descobrir maiores detalhes sobre o interior do local,
porém diferente dos outros municípios que possuíam colônias judaicas, Cametá
possuía um prédio específico para os serviços religiosos, não fazendo uso dos
lares dos correligionários para as reuniões da comunidade.
O pesquisador Wagner Bentes Lins,
contabilizou em sua pesquisa cerca de 30 famílias judaicas habitaram a cidade
de Cametá, os registros dessas famílias foram coletados através da relação das
lápides do antigo cemitério judaico, que há muito foi desativado. Mas não
somente o cemitério prevalece como a marca da presença judaica por quase um
século naquela cidade. Quando fui pesquisar em Cametá, tinha certeza que não encontraria
judeus de fato, mas para mim como antropólogo ver como vivem os descendentes
dos judeus que passaram por Cametá, quais as representações que estes fazem do
judaísmo e da cultura judaica tornou-se então
o principal motivo desta pesquisa.
Mesmo estes descendentes, na sua grande
maioria filhos de pais judeus com mães locais, não sejam considerados judeus
aos olhos da comunidade de Belém, e realmente não o são, a comunidade local
continua a enxergá-los como judeus, todos que sabiam qual o motivo da minha
pesquisa imediatamente faziam referências aos descendentes dos quais eu coletei
os depoimentos para análise. Mesmo estes cidadãos tendo pouca, ou quase nenhuma
vivência judaica, notamos pelos depoimentos coletados que o judaísmo não se
apagou por total da vida destas pessoas, não somente pelo fato da população
local classificá-los de judeus, mas de uma forma ou de outra o judaísmo ou uma
ligação com o mesmo sempre se manifestava.
O Pesquisador da USP chegando em Cametá em
busca de sua pesquisa procurou Alberto Mocbel, filho de libaneses, dono de um
dos cartórios da cidade, é um auto didata, compositor, poeta, referência
intelectual na cidade. Ele contou-me a respeito do senhor Abraão Ben- Simon,
pai dos jovens Moysés e Jacob, referiu-se a ele como sendo o “Rabino” da
comunidade, mas na verdade o posto ocupado pelo senhor Abraão era de shaliach,
fez referências também as filhas não reconhecidas do senhor Maurício Elarrat.
As três filhas, Saphira, Esmeralda e Sol, não receberam o sobrenome do pai, mas
foram registradas com nomes muito característicos das comunidades judaicas que
se estabeleceram na Amazônia.
Após anotar os comentários do senhor Mocbel,
parti em direção ao cartório Cohén, isso mesmo, grafado com acento agudo na
vogal e. Além da alteração do sobrenome, quando entrei no cartório deparei-me
com as seguintes inscrições na parede:
Esther Cohén Braga, Tabeliã Vitalícia. Acima das inscrições estava
dependurado um enorme crucifixo, e em cima de um antigo arquivo cartorial, uma
profusão de santos, inclusive São Benedito, que pode ser considerada a figura
mais popular na cidade de Cametá.
Segundo os depoimentos do senhor Mocbel, a
família Cohén há muito abandonou as práticas judaicas, creio que cerca de
quatro gerações.
Já com o Dr. Isaac Azancot é a maior
percepção destes resquícios de judaísmo, que mesmo após anos de afastamento
ainda teimosamente perduram de uma maneira da ideia judaica. Este informante é
neto de um judeu marroquino que casou-se com uma pernambucana, já o pai de
Isaac nasceu em Baião, dos filhos desta união nenhum casou-se com judeu ou
descendentes, mas assim como na família Cohen, filhos e netos permanecem
recebendo nomes judeus como se aquilo que não pode ser continuado pela religião
tivesse continuidade nos nomes dos descendentes.
Mesmo o pai de Dr. Isaac sendo filho de uma
cristã, e sua esposa igualmente não era
judia, os filhos cresceram entre as duas práticas religiosas,
freqüentavam os serviços cristãos, mas algumas cerimônias judaicas sempre foram
mantidas, o Yon Kipur é a cerimônia mais recorrente dentre estas pessoas que
foram se afastando do judaísmo, e também pode ser observada nos depoimentos do
Dr. Azancot.
Mesmo batizado e crismado, o Dr. Isaac
Azancot relatou-me que no dia de Yon Kipur, todas as suas atividades são
suspensas, tal como acontecia quando o pai era vivo. Não se acende fogo, tão
pouco luz elétrica, no final do dia o jejum é rompido com a ingestão de um
cafezinho e uma canja onde um galo é sacrificado para o pai, uma galinha para
mãe e para cada filho um frango ou uma franga, conforme o sexo. Para cada
animal duas gemas são cozidas e este caldo será servido após o jejum. Se estas
práticas são ou não cumpridas pelo informante, o importante neste caso são na
verdade os relatos e as representações feitas a respeito desta cerimônia.
As freijuelas que a tia de Dr. Isaac fazia
para a festa de Kipur, assim como as orações paulatinamente foram esquecidas pelo
tempo e aos poucos vão se perdendo com o progressivo afastamento do judaísmo.
No entanto o filho de quatro anos de Dr. Isaac recebeu o nome do bisavô, Isaac
Abrão, como que numa tentativa teimosa que este passado não se perca de uma vez
por todas.
Para Wagner, os depoimentos da família
Azancot foram de extrema valia, pois após o desmanche da comunidade o avô e o
pai de Dr. Isaac ficaram responsáveis pelo cemitério judaico, que curiosamente
é capinado e pintado todos os anos para receber as visitas do dia de finados no
dia dois de novembro.
Seu Menassé da Silva Sá na época visitava o
cemitério no dia dos mortos, acendia velas para o avô, Leão Pinto da Silva, que
segundo seu Menassé veio da “Judéia”, na mentalidade do mecânico de embarcações
se o avô de costumes tão peculiares era judeu era porque tinha vindo da Judéia
caminhando até chegar a cidade de Cametá! Quando fiz o levantamento da
genealogia do senhor Leão Pinto da Silva deparei-me com um fato curioso: dos
filhos do senhor Leão com uma mulher local, todos os homens receberam nomes
muito característicos dos judeus marroquinos, como Moyses, Menahen e
Mimon, já as filhas recebiam nomes de
santas, como Bendita em homenagem ao santo padroeiro de Cametá. O mesmo acordo
permaneceu entre o pai do Sr. Menassé e sua mãe, que obviamente era cristã, os
filhos todos receberam nomes judeus e as filhas nomes de santas, as irmãs do
senhor Menassé, homenageiam São Bendito e Nossa Senhora de Nazaré.
O senhor Cohen era proprietário da “Casa
Popular” que funcionava na rua São João Batista, em um sobrado, que foi
recentemente demolido dando lugar a uma casa de festas. No prédio além de
comércio atacadista eram comercializadas produtos da floresta como o látex que
era trocado por víveres pelos ribeirinhos. Os coletores em acordo com o senhor
Isaac quando vinham para a cidade em dia de Sábado, sabendo da impossibilidade
de comercializar deixavam a mercadoria em um anexo da loja que foi construído
justamente para esta função, passado o descanso sabático o senhor Isaac
remunerava o seringueiro.
As pessoas da comunidade de Belém que de uma
forma ou de outra tem o seu passado ligado a extinta comunidade de Cametá, e
que puderem contribuir para o enriquecimento deste trabalho, principalmente no
que se refere as descrições da extinta sinagoga, favor entrar em contato com a
edição deste periódico. Com certeza estas informações serão de grande valia não
só para a história do judaísmo como também para a história da Amazônia.
Muito importante conhecer a história
ResponderExcluirUm povo sem história é um povo sem identidade
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